Comovo-me ao ler o poema de Rilke “O homem que lê”.
Fico então com vontade de sair à caça da tarde e do sol, sobretudo hoje que o dia amanheceu chuviscando e frio.
Além disso, apesar dos deveres, considero importante arrumar tempo em nossas vidas atarefadas para colher esse tipo de experiência apontada pelo poeta Rilke: “Aí fora existe o que vivo dentro de mim”.
Aí fora existe beleza; espairecendo a cabeça, contemplando o céu, é possível, por isso, reparar a transitoriedade que impregna todas as coisas, mesmo o formato pesado das nuvens. À hora do crepúsculo, tudo ao redor se resumirá assim às notas da natureza: o canto das aves, a rede dos grilos, a quietude das árvores, o frêmito da luz.
Aí fora existe simplicidade. O arco-íris no entardecer que surge sobre a ponte e o rio, enfeitando as casinhas amarronzadas e o arvoredo, os girassóis que se tocam no fim do mundo.
Aí fora existe felicidade, ainda que sejamos afligidos ora pela ganância (que é o veneno que nos faz continuar querendo mais), ora pela ignorância (que é um estado precário de tolice), ora pela raiva (que nos faz perder o controle quando há medo ou desatenção).
Aí fora existe compaixão e confiança.
E, tal como fora e dentro, amizade e bondade permanecem no mundo e vão permitindo alegria e vida criativas, mas muito prudente nenhum de nós negligenciar um outro fragmento de Rilke, que conta uma verdade inerente à nossa própria vida:
“Quem foi que assim nos fascinou para que tivéssemos um ar de despedida em tudo o que fazemos?”
Aí fora não existe um único caminho, mas caminhos diversos, ainda que, no geral, rumamos em direção a uma mesma meta: ansiamos nos aproximar do nosso eu essencial para, em vez de atacar, defender, acusar, maldizer, aprender a dar espaço a si e aos outros, pois amor e bendizer não conseguem florescer sem isso…
Cariños, Eugenia Pickina
Eu lia há muito. Desde que esta tarde
com o seu ruído de chuva chegou às janelas.
Abstraí-me do vento lá fora:
o meu livro era difícil.
Olhei as suas páginas como rostos
que se ensombram pela profunda reflexão
e em redor da minha leitura parava o tempo. —
De repente sobre as páginas lançou-se uma luz
e em vez da tímida confusão de palavras
estava: tarde, tarde… em todas elas.
(Rainer Maria Rilke)*