Era o marido da dona Analu quem gostava das flores. Mas era a dona Analu quem chamava o Ichiro para cuidar do jardim, um rapaz dotado de natureza amável e brincalhona, a cara protegida por seu grande chapéu de palha.
Ele morava no outro lado da cidade, na região do aeroporto. Ele chegava bem cedo e, antes de começar o serviço, seu rosto magro se suavizava, os olhos atentos indagando a velha Tipuana, cheirando rosas brancas e vermelhas, analisando hortênsias e azaleias à sombra. Braços retos e rentes ao corpo, ele contava em voz baixa uns passos firmes na grama alta.
Foi por intermédio dele que dona Analu foi se dando conta quão valiosa é a paciência para alguém levar uma vida alegre e serena.
No largo jardim, antes do meio dia, o rapaz não ligava de ser invadido por palavras ríspidas, a voz da dona Analu alertando para as ervas daninhas, a necessidade de retocar árvore e arbustos, a atenção do jovem jardineiro aplicada totalmente aos canteiros mais sofridos.
No começo, dona Analu só sabia contestar, principalmente quando chamava o rapaz para servir água ou café.
“Trouxe um copo de água fresca. Não gelada, que faz mal, fresca.”
Algumas margaridas haviam se desgarrado e passaram a crescer fora da cerca, adentrando a varanda, então dona Analu gritava: “Não esqueça o canteiro das margaridas!”
O rapaz se mantinha concentrado, o suor espalhado por todo o rosto. Da cozinha dona Analu via seu chapéu de palha movendo-se caprichoso ao longo da cerca de madeira. Ele estava lá fora naquele calor, remexendo os canteiros de flores bem-humorado e paciente.
“Seria este o seu segredo? Quando ando, ando; quando canto, canto.”
Dona Analu esperou um pouco e saiu da cozinha. O rapaz estava no canteiro dos narcisos, retirando folhas e flores mortas.
“Dona Analu, o jardim estava sujo, mas agora os canteiros estão limpos e arejados.”
Depois de ouvir isso, a mulher pareceu mais relaxada. Então dona Analu percebeu mudanças no canteiro dos narcisos de que não gostou muito. Ela rosnou em direção ao jovem jardineiro e só me ocorreu agora o bizarro que é a gente, de maneira tão inadvertida, saltar da polidez à ira, incapazes que somos de controlar nossas emoções…
Naquele fim de dia comprido, o céu escurecendo, enquanto o moço jardineiro descia a rua conhecida como Avenida Manoel Ribas, ele pensava:
“Não acho que a intenção da dona Analu seja me maltratar mas, toda vez, ela acaba explodindo grossa e rude. Quando a pessoa é infeliz há muito tempo, pode não ligar para os sentimentos dos outros, ferindo pessoas que muitas vezes fazem o possível para tornar a vida delas mais razoável. A dona Analu tem muita raiva. Acho que ela não sabe disso.”
O jovem jardineiro ponderou isso discreta e respeitosamente. Na próxima quinzena, conforme sua natureza amável e paciente, ele voltará a zelar do jardim do marido da dona Analu de maneira atenta e cuidadosa, pois o esquecido é perdoado, definitivamente.
Cariños, Eugenia Pickina
A vida é uma aprendizagem diária. Afasto-me do caos e sigo um simples pensamento: quanto mais simples, melhor! José Saramago