A noite escura, os olhos acesos.
Escapo da cama com movimentos delicados e sem fazer barulho. Deve ser noite alta. Acendo a luz da cozinha e para meu espanto é uma hora. Emergência de vida? Fogo? Quero um café, mas faço um chá de capim-limão.
Xícara na mão, encolho-me na poltrona macia da sala escura. Desaparecimento, mutação, lua.
Conhecer a própria natureza. Aparece o nobre desejo de ter um jardim e morar em Sofia. Um pensamento de desconstruir os pensamentos que são fabricados na escuridão. Ideias pela boca de um insone? Nenhum desejo de conversar. Ler? Não. Escrever? Eu não sei. Eu sei alguma coisa?
Silêncio e o fluxo permanente da vida instigando a necessidade do acolhimento, da sabedoria da fluidez, do não querer. Trata-se de passividade? Não. Trata-se de desapego. Um modo sensível de existência que incentiva observação e flexibilidade, no lugar da imposição da vontade, porque é sempre uma falta de inteligência querer “forçar” as coisas.
Ponho-me a acompanhar a insônia sem impor minha vontade. Ela se move, eu me movo. De repente acordar no meio da noite e ter, em vez de inquietação, solidão, é de fato uma chance de obedecer ao não agir, à profunda aceitação da vida e suas leis: o nascimento, o crescimento, o declínio, a morte.
Na sala, nenhum ruído. Tomo o chá discreta e tranquilamente. E, súbito, me vejo vivendo aqui e agora, sem ruminar o passado, nem me preocupar com o futuro, na plena aceitação do momento presente.
Depois vai amanhecendo. Vou à varanda e provavelmente sou na minha rua a primeira do dia a ver o sol nascendo como um dom.
Todo dia é um bom dia. E sinto-me em paz por nada. Até que, seguindo o fluxo da vida e das coisas, a casa vai despertando e a gata e o marido vêm ao meu encontro. Hora de acordar a filha para ir à escola, o permanente movimento do mundo.
Cariños, Eugênia Pickina